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Contatos imediatos de 3º grau
Publicado em 15/07/2019
Conectando os pontos
No final da breve apresentação que fizemos de Saibadela no último post, comentamos que a receptividade de seus moradores nos cativou. Neste post de hoje, iremos contar como foi nossa primeira visita ao bairro e o primeiro papo com o pessoal de lá.
Aproveitaremos para narrar um pouco dos bastidores dessa primeira incursão, incluindo os primeiros contatos com a Fundação Florestal, com o Parque Intervales e com a prefeitura do município de Sete Barras.
Uma dúvida que abriu o horizonte
Temos uma confissão a fazer: nós nunca tínhamos ouvido falar em Saibadela até iniciarmos nossa busca pelo local onde iríamos iniciar nossa operação. A descoberta da comunidade ocorreu ao acaso, numa busca despropositada na internet.
Na época, estávamos avaliando o entorno do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR), mas a distância em relação ao município de São Paulo inviabilizava nosso investimento na região. Analisando mapas e fotos aéreas do Vale do Ribeira, notamos que havia um bairro encravado no meio da floresta, exatamente na divisa entre os parques estaduais Intervales (PEI) e Carlos Botelho (PECB).
Pelo relevo observado nos mapas e a densidade da vegetação que mostravam as fotos aéreas, com certeza se trava de um lugar com grande potencial. Como distância em relação à capital estava dentro do nosso limite de busca, iniciamos uma procura de informações sobre o local. Encontramos pouco conteúdo sobre o bairro em si, mas o plano de manejo do PEI nos presenteou com uma análise bem estruturada da região e de sua dinâmica social.
No plano, publicado em 2008, descobrimos haver duas bases de fiscalização do parque nas imediações do bairro, além de um plano razoavelmente detalhado para transformar uma delas em um núcleo de visitação pública.
Por não haver indícios de que tal plano havia saído do papel, entramos em contato com a Fundação Florestal, autarquia responsável pela administração dos parques e florestas estaduais de São Paulo, para tirar a duvida.
Como imaginado, o núcleo de visitação não havia sido construído e não existia previsão para o início das obras, ou mesmo garantias de que a ideia seria mantida, uma vez que o setor ambiental vem sofrendo cortes de verbas sistemáticos.

Ao perguntarmos se poderíamos ajudar de alguma forma, uma vez que estávamos interessados na área, fomos convidados para uma reunião com a diretora de novos negócios da Fundação, na qual resumimos nossas intenções e recebemos informações importantes sobre a possibilidade de eventuais parcerias.
As tratativas prosseguiram bem após este contato inicial, com a realização de mais duas reuniões, envolvendo outros departamentos da Fundação e a gestão do PEI, tendo a última sido realizada no Galeria 540. Nela, apresentamos uma proposta arquitetônica para um centro de visitação, que, numa eventual parceria, seria a estrutura principal do futuro núcleo a ser implantado.
Também ficou acordada uma visita à sede do PEI, para que pudéssemos analisar a infraestrutura existente, conhecer parte da equipe e acompanhar sua rotina de trabalho.
Conhecendo Intervales
Chegamos ao PEI na madrugada da sexta, dia 05/04, então só conseguimos perceber a exuberância da mata ao amanhecer. Diferente de outros Parques, Intervales possui instalações de hospedagem próprias em sua sede e podemos afirmar que fomos muito bem acomodados.

Na manhã de sábado, assistimos um workshop sobre PANCS e na sequência tivemos a oportunidade de participar de um encontro animado, que resultou na criação de uma comissão para criação da Associação de Amigos do Parque Estadual Intervales (AAPEI).
Ao final do dia, pudemos conversar com alguns voluntários e com o gestor do parque. Num papo descontraído, aprendemos muito sobre o funcionamento do parque, as características de seus diferentes setores, os pontos fortes da unidade e seus principais desafios.
Saibadela nos foi caracterizado como uma das áreas mais problemáticas do Intervales.
O principal motivo é a distância em relação à sede, que acaba dificultando tanto a administração, quanto o relacionamento com a comunidade. Além da distância, a diferença de altitude acaba isolando o setor do Vale do Ribeira do parque.
Parece haver certo consenso de que uma aproximação maior com os moradores de Saibadela, bem como dos demais bairros que circundam o parque, é imprescindível para mitigar as invasões e crimes ambientais na região, pois o turismo pode oferecer uma alternativa concreta de desenvolvimento.
Contudo, não há previsão de verbas para implantação da infraestrutura necessária, fato que impede qualquer avanço nesse sentido, pois, para que seja efetiva, uma intervenção na área deveria contemplar a consolidação de uma malha de trilhas, uma estrutura administrativa para supervisionar as atividades e o centro de visitantes, objeto de nosso contato.
No domingo, visitamos um dos principais atrativos da sede, a Gruta Colorida. Também conhecemos a base de pesquisas, utilizada por diferentes profissionais que estudam a fauna e a flora local. Antes de pegarmos a estrada, fomos conferir a vista panorâmica a partir do Mirante da Anta, passando por uma bela cachoeira no caminho.
Com a missão cumprida, nos preparamos para finalmente conhecer Saibadela, mas fizemos uma parada no caminho, para conhecer a prefeitura de Sete Barras e sua Casa de Agricultura, onde fomos recebidos por seu secretário de desenvolvimento sustentável.
Sete assuntos em Sete Barras
Após conhecer as instalações, apresentamos brevemente nossas intenções e recebemos algumas informações sobre Sete Barras e Saibadela.
A respeito do município, o secretário nos contou que a cidade havia recém adquirido a certificação MIT (município de interesse turístico), que garante recursos para o desenvolvimento do turismo na cidade. Também nos foi dito que um ponto de informações turísticas seria instalado na cidade, além de diversas melhorias em infraestrutura.
Em relação ao bairro, ficamos sabendo que o bar do senhor Acisio funciona como verdadeiro difusor de notícias, sendo um dos principais pontos de encontro dos moradores. Nos foi recomendado entrar em contato com a monitora ambiental Jéssica, uma das lideranças do bairro e principal entusiasta do turismo na região.
Sobre as unidades de conservação, ouvimos que a parceria entre os parques e a cidade poderia ser melhorada e que estavam abertos para aprofundar tal relacionamento, mas que não existe nenhuma iniciativa em curso nesse sentido.
Finalizando a conversa, ficamos surpresos de saber que havia escola e posto de saúde, tanto na aldeia, quanto no bairro, sendo que neste último situam-se num terreno da prefeitura, que estaria a disposição para utilizarmos como apoio, caso tivéssemos interesse ou alguma necessidade.
Após uma cordial despedida, rumamos para nosso destino.
A 1ª vez não se esquece
Chegar em Saibadela pela primeira vez é uma experiência única, pois é possível perceber a natureza tornando-se cada vez mais exuberante conforme vamos nos aproximando. A alternância de paisagens, marcadas pela sobreposição das montanhas que vão crescendo ao longo do percurso, nos faz pensar sobre como teria sido para um europeu chegar ao Brasil no século XVI.

Fomos direto para a base do Quilombo, uma das duas instalações de fiscalização do PEI existentes no bairro, que serviu como hospedagem nesta primeira incursão.
Aproveitamos a tarde para dar uma volta pelo bairro e conhecemos o Bar do Acisio, onde alguns moradores jogavam dominó. Ouvimos diversas histórias de vida diferentes, uns recém chegados e outros que pouco saíram da comunidade.
Foi difícil dormir de noite, por conta da expectativa (e do calor), então ao amanhecer já estávamos conversando com o Vanderlei, funcionário do parque, responsável pela guarda da base na semana da visita.
Não tardou para a monitora ambiental Jéssica aparecer para nos acompanhar até a Cachoeira do Quilombo, principal atração turística local.
Ao longo do caminho, fomos conversando sobre a situação do turismo na região e pudemos conhecer o ponto de vista de alguém que está na linha de frente da atividade.
Com cada novo depoimento, fica mais fácil entender os motivos pelo qual o turismo, que é claramente a principal vocação do lugar, não se desenvolveu até o momento.
Voltando da trilha, rumamos para o terreno da prefeitura, no qual o secretário de desenvolvimento sustentável havia nos dito que existia uma escola e um posto de saúde. Só faltou nos avisar que estavam desativados há mais de 10 anos.

A Jéssica, que nasceu no bairro, nos contou que estudou na antiga escola com certo saudosismo. Nos explicou que foi desativada por conta de uma reordenação da rede escolar, que teria atribuído responsabilidade sobre as unidades rurais para o município.

Como este não possuía recursos para manter todas em funcionamento, os alunos foram concentrados na escola existente às margens da rodovia que liga a região ao centro da cidade.
Hoje o edifício funciona como sede da Associação de Moradores de Saibadela, que aproveitou parte das instalações para instalar uma estação de processamento de palmito pupunha, com o objetivo de agregar mais valor ao produto. Infelizmente, até agora não obtiveram aval da vigilância sanitária, por conta da situação do edifício, que possui problemas de ventilação e sofre com infiltrações. Os equipamentos, que ainda estão sendo pagos, começam a se deteriorar sem nunca terem sido usado, situação que gerou controvérsias entre os associados.
Ao final do dia, seguimos para o Bar da Gi, que possui a mesa de bilhar mais disputada do bairro, afinal é a única disponível. Conhecemos mais alguns moradores da comunidade e ouvimos todo tipo de história, incluindo diversas lendas locais, que geraram muita diversão em nossa jornada de volta para São Paulo.
Em nossa despedida, prometemos que voltaríamos, para apresentar nossas intenções à Associação de Moradores e conhecer um pouco mais este lugar tão especial.