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Em busca de algo a mais

Publicado em 15/05/2019
Um achado

No post passado, não resistimos à tentação e deixamos escapar um spoiler arriscado, pois ainda não temos uma definição sobre o assunto. Fato é que, depois de alguns anos procurando o melhor caminho para iniciar nossas atividades, estamos muito confiantes que encontramos algo a mais.

Na real, nossa confiança é tão grande, que resolvemos dobrar a aposta e contar um pouco mais sobre como chegamos até Saibadela, que está perto de se tornar nossa comunidade piloto.

Aproveitaremos o gancho para comentar os critérios utilizados na busca, apontando quais motivos nos levam a crer que nos aproximamos do tão esperado momento, em que começaremos a trabalhar para valer.

Iremos refazer passo a passo o caminho que percorremos na busca, pois, além de facilitar a compreensão de cada etapa do processo, aumenta consideravelmente a dramaticidade do texto e sim, gostamos de momentos épicos, então deixaremos o melhor para o final.

Sem mais delongas, pegue sua pipoca, se ajeite na poltrona e boa leitura!

Antecedentes

Com a inauguração do Galeria 540 em 2016, nosso plano para criar a associação intensificou-se vertiginosamente. A atmosfera criativa presente no centro cultural, estimulava conversas intensas sobre o assunto e a cada dia novas pessoas se interessavam por elas.

O Galeria 540 é um oásis de cores em meio ao monótono cinza paulistano

Vários aspectos importantes eram tratados e a ideia de organizá-la em quatro núcleos independentes, que teriam seus próprios projetos e iniciativas, já estava bem consolidada.

Assim, meio ambiente, cultura, economia e sociedade tornaram-se os pilares sobre os quais construiríamos nossa atuação.

A divisão dos debates nestes quatro grandes temas permitia que um número maior de pessoas tomasse parte nas discussões, que muitas vezes rolavam simultaneamente em diferentes grupos.

Entre uma cerveja e outra, conceitos eram afinados e cada vez mais projetos surgiam na lista.

Apesar de ter sido um momento de criatividade extremamente profícuo, a combinação do rápido aumento do número de integrantes da rede, com a dispersão causada pela grande proliferação de projetos paralelos, acabou por desacelerar as ações direcionadas para a constituição legal da associação.

A bem da verdade, tal situação era vista com naturalidade. A momentânea tirada de pé do acelerador não era considerada problema, apenas parte de um necessário processo de acomodação, demandado pela transição em curso. No fundo, a rede estava funcionando a todo vapor.

Com o passar do tempo, tornava-se cada vez mais claro para alguns, que um eixo central, capaz de conectar o universo de possibilidades que surgia, sob a égide da associação, faria emergir um senso de propósito coletivo, permitindo que transcendêssemos os objetivos individuais que motivavam a participação de cada integrante da rede.

Ao mesmo tempo, a existência de tal eixo integraria as causas defendidas por cada um dos núcleos e, ao apontar o norte a ser seguido para sua efetiva realização, orientaria as atividades do todo sem impor um caminho específico a ser seguido, garantindo liberdade para que cada núcleo e iniciativa desse seus próprios passos, em seu próprio ritmo.

Inconscientemente, um sentimento de comunidade crescia com força, elevando a vontade de compartilhar para outro patamar. Apenas colaborar profissionalmente já não era mais suficiente, pois desejávamos remodelar a própria forma como nos relacionávamos com o trabalho, uns com os outros, com o restante da sociedade e com o próprio planeta.

Contudo, mesmo sendo intenso para muitos, o sentimento não era compartilhado por todos. Uma inevitável ruptura expôs as divergências internas da rede, acentuadas pelo evidente inchaço proporcionado por seu rápido crescimento, que fragmentava-se ao tentar assimilar perfis cada vez mais alheios à essência de outrora.

Ao rachar, nos deparamos com um divisor de águas. Integrantes que possuíam visões mais individualistas desviaram-se para um lado, enquanto aqueles que enxergavam um futuro mais coletivo fluíam para outro, levando a ideia de criar a associação consigo.

Superados os transtornos da cisão, os grupos dissidentes seguiram caminhos paralelos dentro da rede, com todos ainda interagindo de forma intensa entre si. Embora parecesse que tudo permanecia igual, para nós, que buscávamos o fio condutor que daria sentido às nossas ações, a situação transformou-se radicalmente.

Motivação coletiva

A brusca redução do grupo foi compensada pela falta de distrações. Dalí em diante, nos dedicamos exclusivamente à nossa missão maior e, já nas primeiras reuniões, chegamos ao consenso de que, mais que uma associação, estávamos constituindo um movimento coletivo pautado por nossos valores.

Trabalhávamos arduamente para compreender os pontos que nos uniam, permitindo que nos víssemos como iguais mesmo sendo diferentes. Em outras palavras, tentávamos reconhecer uma identidade comum, a partir da qual seriam estabelecidos os parâmetros de associação que nos definiriam perante a lei.

Para tanto, nos voltamos aos interesses compartilhados por todos, interligando-os para modelar um futuro desejável, no qual gostaríamos de viver. Deste exercício, extraímos as definições estatutárias dos quatro núcleos, nos aproximando da finalidade que seria atribuída para a associação. A seguir, idealizamos um arquétipo de comunidade, que serviria de referência para sequência do processo.

Nossa comunidade ideal seria igualitária, garantindo as mesmas condições de desenvolvimento a todos os seus integrantes. Também seria necessário que respeitasse o meio ambiente ao seu redor e preservasse a biodiversidade nele contida, condicionando sua expansão territorial à manutenção do equilíbrio ecossistêmico.

O consumo de recursos se daria de forma responsável, tendo sua utilização limitada em função da capacidade de reposição dos estoques naturais. Por sua vez, estes deveriam ser equilibrados para que, além de suprir suas necessidades básicas, permitisse que celebrasse a si mesma, através da arte e da criatividade.

Acima de tudo, ela seria autônoma, no sentido de ser capaz de prover e gerir a si mesma, sem depender de agentes externos. Nesse sentido, teria na colaboração sua força motriz e no compartilhamento o alicerce de sua economia.

Seria com esse arquétipo em mente que iniciaríamos essa nova etapa de nossa jornada, realizando ações que nos aproximassem cada vez mais do futuro que desejamos. Para conectá-las e maximizar seu impacto, concluímos que a melhor alternativa seria concentrar o maior número de projetos possível num mesmo local, para podermos avaliar nosso desempenho com maior clareza e ajustar nossa conduta conforme necessário.

Uma vez satisfeitos com os resultados, poderíamos replicá-los em outros locais onde fossem necessários, ampliando nosso alcance gradualmente, sem correr o risco de piorar os problemas que queríamos solucionar, ou complicar ainda mais a situação daqueles que pretendíamos ajudar.

A esta altura, Associação de Fomento à Autonomia, já soava como um nome apropriado e sentíamos ter encontrado o eixo central que funcionaria como fio condutor de nossa atuação.

Convencidos que esta era a melhor estratégia, resgatamos um desejo antigo que poderia ajudar a tirar os projetos do papel.

Ambiente controlado

Há anos sonhávamos em criar um espaço de trabalho coletivo para redução de custos. Somos em grande parte empreendedores e gastamos dinheiro com recursos que poderiam ser compartilhados. Além da economia com aluguel, entendemos ser possível reduzir outros custos sensivelmente.

Em um escritório convencional, uma série de ferramentas e espaços acabam passando a maior parte do tempo sem serem utilizados. Equipamentos, salas de reunião e móveis ociosos são itens clássicos nesta lista. No nosso caso, tendo muitos profissionais criativos, podem ser adicionadas à lista dezenas de ferramentas, incluindo furadeiras, serras, tornos, prensas, compressores, lixadeiras etc.

Embora a economia relacionada a compra destes itens possa ser contestada, uma vez que muitos já foram adquiridos, é necessário lembrar que existem custos para sua manutenção. Da mesma forma, aparelhos de ar-condicionado, geladeiras, instalações de internet e telefonia, servidores e até mesmo recursos humanos, como secretárias, equipes de limpeza e segurança, geram gastos mensais que, ao serem otimizados, podem significar uma economia vultuosa.

Ao longo do tempo, vimos surgir alguns espaços na rede que já caminhavam nesse sentido, com destaque para a Oficinalab, makerspace criado pelo arquiteto Alex Uzzueli. Outro exemplo é o próprio Galeria 540, pensado para ser um espaço multiuso, contando com escritório, sala para cursos e reuniões, áreas de exposição, bar e biergarten, lanchonete, palco para shows e até residência.

Mais do que a redução de custos, compartilhar um espaço pode ampliar o compartilhamento de ideias e projetos, ampliando o horizonte de nossa rede colaborativa. Para nos atermos aos ganhos de ordem prática, nem entraremos nas questões subjetivas envolvidas na interação, como diversão e aprendizado, que tendem a ser bem intensas.

Oficinalab
A Oficinalab é uma escola de marcenaria e espaço maker utilizado por artesão

Somando estes fatores, que já nos faziam sonhar, com a decisão de inicialmente concentramos o máximo de projetos num mesmo local, decidimos que investiríamos na construção de uma base operacional no local onde fossemos atuar.

Em um primeiro momento, a base será utilizada pelos núcleos como laboratório, concentrando praticamente todas as atividades práticas e pesquisas da AFA. Também será palco de workshops, encontros, festas e outros eventos imersivos, mas não se limitará a isso.

Entendemos a Associação como um hub de iniciativas sustentáveis, razão pela qual planejamos ampliar gradualmente a estrutura de nossa base, até transformá-la numa espécie de incubadora, apta a receber e acelerar projetos externos sintonizados com nossos valores e objetivos.

Não tardamos para dar inicio aos estudos preliminares do espaço e em pouco tempo já tínhamos condições para dimensionar a área e infraestrutura necessária. Assim nascia o LabNox, nosso futuro Laboratório de Inovação Social e Sustentabilidade.

Com a decisão tomada, faltava o mais importante, definir o local onde atuaríamos e a base seria implantada.

Os limites da busca

Para atender de forma satisfatória as demandas de todos os núcleos, deveríamos procurar um local que apresentasse desafios ambientais, econômicos e sociais, de preferência interligados e proporcionais. Ao mesmo tempo, a complexidade de tais desafios deveria ser compatível com nossas limitações, que não são poucas, sendo duas clássicas as principais: tempo e dinheiro.

Atualmente, somos todos voluntários na AFA, ou seja, não somos remunerados pelo trabalho que executamos. Por conta disso, o tempo que temos disponível para investir nela é limitado, uma vez que precisamos manter uma vida profissional paralela para nos sustentar.

Apesar de conseguirmos criar e planejar projetos de modo satisfatório, nos mantendo conectados virtualmente na maior parte de nosso tempo livre, deslocamentos muito longos e demorados inviabilizariam a participação in loco de boa parte da equipe quando chegasse a hora de executá-los.

Já em relação ao dinheiro, formalmente, a AFA ainda não existe, razão pela qual não dispõe de bens ou quaisquer recursos próprios. Até o momento, todo o investimento realizado pode ser resumido ao tempo dedicado em sua concepção. Contudo, o inicio de sua operação depende da aquisição de um imóvel, fato que altera completamente o cenário.

Para equacionar o financiamento deste aporte inicial, resolvemos que o faremos por meio de empréstimos pessoais, sendo portanto necessário equilibrar investimento e despesas em função do montante levantado, que infelizmente não é muito alto.

Macro área considerada na busca, delimitada por cidades distantes 3h de SP

Surge aqui um paradoxo, pois, pela limitação financeira, somos afastados dos centros urbanos devido aos preços praticados pelo setor imobiliário nas grandes cidades, enquanto que a limitação imposta pela baixa disponibilidade de tempo, nos obriga a atuar o mais próximo possível da cidade onde a maioria de nós reside, ou seja, São Paulo.

Para contornar o dilema, primeiro estabelecemos que o deslocamento máximo não poderia exceder três horas de viagem.

A seguir, delimitamos nossa área de busca no mapa, constatando que lidaríamos com uma restrição geográfica extremamente rígida devido à limitação financeira, mas que ainda assim oferecia diversas oportunidades.

Uma vez definidos os parâmetros da busca, estruturamos uma tabela de pré-requisitos para auxiliar na avaliação das áreas potenciais e mergulhamos na pesquisa.

Pesos e medidas

Ao começarmos a investigação, sabíamos que havia um longo trabalho pela frente, mas não desconfiávamos que seria tão prazeroso. O estudo do entorno de São Paulo nos recompensou com inúmeras surpresas e descobertas, evidenciando conexões despercebidas, diminuindo a distância entre lugares e aproximando o presente e o passado.

Nossa metodologia de avaliação partiu do macro para micro, peneirando o grupo de possibilidades que a cada novo movimento tornava-se menor. Como referência, estabelecemos uma matriz comparativa, que pontuava as localidades de acordo com uma tabela de pré-requisitos, dividida em quatro partes com pesos iguais na pontuação. Cada núcleo ficou responsável por uma das partes, tendo liberdade para estabelecer seus próprios critérios de pontuação.

Assim, o Núcleo Ambiental deu prioridade para locais onde a conservação da biodiversidade e a preservação de remanescentes naturais estivesse sob maior risco, deixando áreas já degradadas em segundo plano. O argumento usado para justificar o critério aponta que, ao contrário de áreas degradadas, que podem ser recuperadas, espécies extintas perdem-se para sempre.

Já para o Núcleo Cultural, a prioridade foi dada para locais próximos de povoamentos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e caiçaras, com peso ainda maior para áreas de relevância histórica. Como justificativa, destacou-se a necessidade de resgatar o conhecimento ancestral e preservar as tradições cultivadas por tais povos, que estão desaparecendo em ritmo cada vez mais acelerado.

Segundo o Núcleo Econômico, locais com baixa diversidade de atividades econômicas deveriam receber maior atenção, priorizando-se os mais pobres dentre eles. Para justificar, ressaltou-se que microeconomias pouco diversificadas apresentam maior fragilidade, por isso devem ocupar o início da lista.

Por fim, o Núcleo Social deu prioridade para os locais que apresentam maiores dificuldades de acesso a serviços básicos, sobretudo saúde e educação. Como justificativa, argumentou-se que as populações carentes de tais serviços são as que mais sofrem com a desigualdade social, sendo este o motivo para receberem atenção especial.

Ponderando sobre os critérios estabelecidos, decidimos concentrar a busca em áreas situadas no entorno de unidades de conservação ambiental, que apresentassem pequenos bairros rurais afastados de centros urbanos, sendo estas as comunidades que passaram a ser o foco de nossa atuação.

Outro fator considerado essencial é a existência de algum tipo de organização social local. Esta condição é crucial para podermos avaliar o nível de receptividade da comunidade, pois são as lideranças locais, para quem ofereceremos nossa proposta de parceria, que possuem a melhor perspectiva sobre os desafios que precisam ser superados e melhorias que devem ser realizadas.

Conforme o estudo avançava, ajustes foram sendo realizados, mas desde o início já sentíamos uma notória atração vinda do sul.

Convergência

Apesar da restrição geográfica imposta pelas circunstâncias, diversas áreas circunscritas no perímetro apresentaram grande potencial em nossa busca. Dentre elas, uma se destacou em todos os aspectos analisados, atraindo nossa atenção já nas primeiras fases da investigação.

O Vale do Ribeira é um local de contrastes. Localizado no extremo sul paulista, detém os piores índices de desenvolvimento humano do estado, ao mesmo tempo que conserva o maior remanescente contínuo da Mata-Atlântica, abrigando uma dais maiores concentrações de biodiversidade do planeta sob as copas de suas árvores.

Estes dois fatos sozinhos já seriam suficientes para fixar a região em nosso radar, mas devemos registrar que ela também apresenta a maior concentração de populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas do recorte estudado.

Para completar, possui a economia menos desenvolvida de todo o estado, concentrada em torno da mineração e do agronegócio, com destaque para a monocultura de banana, responsável por mais de 70% da produção total.

Por aparecer em primeiro lugar de acordo com todos os critérios estabelecidos pelos núcleos, o Vale fez convergir diferentes interesses e ganhou nossa preferência.

Uma das muitas cachoeiras escondidas no entorno da comunidade Saibadela

Mas a procura ainda não havia terminado, uma vez que são muitas as comunidades que atendem plenamente os requisitos observados. Foi então que conhecemos Saibadela, um pequeno povoado do município de Sete Barras que tem potencial de sobra para receber nossa futura base.

No próximo post, iremos contar o que já sabemos sobre esta comunidade e apresentaremos os pontos que a tornam tão especial perante nossos olhos.

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